terça-feira, 18 de abril de 2017

DOS SONSOS.

Todos os sonsos do mundo *

Não é uso comum, mas peço já desculpa. Apesar da aparência lírica esta crónica vai chafurdar na bosta e pronunciar algumas palavras feias. Inclui também uma dose generosa de poesia. A mistura de versos com a actividade bancária, parecerá um pouco ordinária, mas a culpa não é minha. Devo o desarranjo a uma responsável espanhola do Bankinter que há pouco tempo disse que um banqueiro é alguém que « financia os sonhos das pessoas».
      Não decerto por mera coincidência, os cartões de débito e crédito da igualmente sentimental Caixa Geral de Depósitos são decorados com rabiscos que procuram representar Fernando Pessoa. Alguns exemplares incluem o verso «Tenho em mim todos os sonhos do mundo» (ou, na modalidade de crédito «Tudo vale a pena se alma não é pequena»). Como não pode defender-se das pulhices, o poeta padeceu ainda do enxovalho de ser citado na defesa de Ricardo Salgado. Não ocorreu ao sonso banqueiro, porém, o Poema em Linha Recta de Álvaro de Campos («Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar»), preferindo o mais cagarola «Pedir desculpa é pior do que não ter razão».   
      Como ainda sou do tempo em que o BES também prometia realizar sonhos (e não apenas os da família Salgado, do Cristiano Ronaldo e da Dona Inércia) suspeito que de tanto arroubo poético, tanta filantropia, procuram esconder o essencial da actividade criada pelos agiotas. A saber: fazem o favor de guardar o nosso dinheiro, que emprestam a terceiros cobrando juros, taxas, spreads e o mais de que forem capazes de se lembrar. Parece um negócio fácil e lucrativo, mas, ainda assim, várias instituições bancárias idóneas e insuspeitas conseguiram fazer evaporar milhares de milhões de euros.
      O fenómeno teria o seu quê de mistério e evanescência se o dinheiro não tivesse, afinal, transferido para paraísos offshore, passando pelo bolso de uma manada de consultores, administradores, conselheiros, jornalistas, manobradores de influências, comentadores e comissionistas. Um cita a Nau Catrineta do Garrett. Aquele faz como o poeta e finge que não se lembra. Este engana com a novilíngua das imparidades. O outro assume o fardo da «responsabilidade política» sem consequências. Aqueloutra diz que assinou de cruz (e, mesmo assim, não baixa a crista) . E o contribuinte paga a conta (13 mil milhões!) enquanto espera pela novela da noite.

* O autor desta crónica escreve ao abrigo do NAO, ao transcrevê-la não o apliquei.

Como podem ver acima, (dará para ver?) foi publicada no suplemento NM do JN de 16-04-17.
Gostei tanto do tom acutilante e certeiro, veio tão ao encontro daquilo que penso, (e, claro, da realidade) que a partilho com quem costuma passar pelo meu espaço. Se o desejarem deixem a vossa opinião.


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18 comentários:

  1. Desta vez a porta estava aberta.

    "Melhor do que roubar um banco, é fundar um 🏦" Bertold Brecht.

    Beijinhos amigos de pessoa honesta.

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    1. Os gonzos já foram ao sítio, Teresa. Felizmente, há muito boa gente que gosta de me visitar. Uma delas és tu. :)

      Bertold Brecht sabia do que falava. Os maiores ladrões de Bancos estão sentados, a fumar charuto, na cadeira do gabinete directivo enquanto magicam na forma de esvaziar os cofres e enviá-lo para os paraísos fiscais e contas chorudas na Suíça.

      Beijinhos da amiga pobrezinha, mas de contas! :):)

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    1. AvoGi, eu acho que o autor até foi muito seguro daquilo que escreveu.

      'Tem-te não caias' andamos nós!! (lol)

      Beijos.

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  3. Interessante querida amiga, beijinhos muitas felicidades

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    1. Interessante, desassombrado e verdadeiro, Emanuel.

      Beijinhos. :)

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  4. Fizeste muito bem amiga Janita em transcrever este excelente artigo que aplaudo na íntegra.
    Infelizmente as palavras contundentes não magoam, nem punem estes sonsos, e nós os "ingénuos" continuamos a pagar a factura.

    Um beijinho

    O Toque do coração

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    1. Enganados, sucessivamente, por todos os lados e por todos, amiga Fernanda. E o pior é que somos sempre apanhados na mesma ratoeira e continuamos sendo aquele povo de brandos costume...até um dia, né?

      Beijinhos

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  5. Eu que sou piquinino tenho ouvido tanta coisa estranha, disto e daquilo, que desde os Afonsinhos se tem passado neste talhão à beira-mar plantado que me pus a pensar. Se este país foi amaldiçoado a acolher ratos vindos de muitas paragens desde cartagineses a chineses, parece-me, que só por milagre se poderá esconjurar a maleita. Que tal pedir ao Papa Francisco uma benção que precipite a rataria nas profundezas do oceano. Ofereçam-lhe uma flauta.
    Bj, Janita. Podem vir mais 5.

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    1. Mais piquinina sou eu, amigo Agostinho, e a cada passo tomo consciência disso. O que vale é que nunca quis ser grande.:)

      O nosso 1º Afonsinho é que veio por aí abaixo tomar o que não era nosso, agora estamos a pagar a factura e os juros de mora.
      Se os ratos abandonassem a embarcação ao som de flauta, se calhar seria melhor oferecer-lhe uma de pã, não?
      Aquilo por lá - ao lugar para onde todos os caminhos irão dar - também virou comercio feio e forte, e roubalheira. (cala-te boca).

      Beijinho, Agostinho. :-)

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  6. Mas ainda há quem acredita neles?

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    1. Acreditar, acreditar, já ninguém acredita em ninguém, Luísa, mas o facto é que o país continua a ser saqueado...malditos piratas!!

      Beijo.

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  7. Recebi hoje uma mensagem a avisar que um banco para onde transfiro dinheiro todos os meses me vai passar a cobrar 30 patacas (mais ou menos 3 euros) por cada transferência.
    Que ainda por cima é feita online!
    Pois, as transferência se calhar vão acabar.
    Vão roubar para a estrada!
    Beijinhos

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    1. Aí em Macau também são frescos, Pedro! Não lhes chegam os lucros dos casinos.
      É como a comissão que passaram a cobrar por "gerir" as contas à ordem. Mas gerir o quê? Se nem juros pagam? Nós pomos lá o nosso dinheiro, não nos dão nada e ainda me cobram mensalmente, uns quantos euros para 'gestão de conta' + o imposto de selo? Melhor é guardar as poupanças debaixo do colchão. Também digo, Pedro; vão roubar para a estrada!!!

      Beijinhos.

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  8. Não consigo ser "deseducado" o suficiente para escrever neste comentário o que penso de toda a gentalha, e mais alguma, mencionada no artigo que transcreveste, e bem e ainda bem pois não o conhecia.
    Teria que valer-me do mais básico e ordinário vernáculo, aquele que nem os poetas, nem os prosadores se atrevem a usar nas suas obras.
    Há "profissões" que são alérgicas à honestidade, não há?
    Se não há, parece...

    Sem encargos e isentos de despesas: Beijokas e Sorrisos.

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    1. Nem com linguagem de estivador conseguiríamos aliviar a revolta, Kok! Poeta que os mandasse para a outra banda, só o Manuel Maria du Bocage. :)
      Lá haver há, mas nunca, nunca, a 'profissão' de político nem banqueiro.

      Então, igualmente livres de impostos e despesas de manutenção, recebe beijokas e ternuras.

      :)

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  9. O autor poupou nos adjectivos em relação aos trapaceiros, que são, como é sabido, gente fina que arrota no fim das refeições com o palito pendurado dos beiços. Que regresse o Torquemada, que conseguiria saber deles onde estão os milhares de milhões com que se abotoaram à nossa custa.

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    1. Ai, José, as coisas que o meu amigo sabe. Tive que me ir informar quem havia sido esse tal de Torquemada.
      Credo! O homem foi um sangrento perseguidor de judeus. Não sei se seria necessário voltarmos ao tempo da Inquisição, mas a verdade é que, quando os apanham lá dentro, umas boas ensaboadelas e eles haveriam de abrir o bico. Mas não, ainda lhes oferecem do bom e do melhor. Outros pagam milhões para ficar em liberdade condicional. Assim não vamos lá!

      A seguir vem aí um post perfumado, para me limpar o cheiro a bosta que estes suínos aqui deixaram.

      Um beijinho.

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