COISAS DE MAIO.
Era um límpido azul, vero azul-gaio,
a envolver, na retina, o mês de Maio.
Nunca chovia então, ou, se chovia,
tamborilava o nome de Maria.
Quedávamo-nos no adro, enquanto o incenso
vinha até nós, fluido acenar de lenço.
Depois da coroação, mil e uma prendas
leiloadas em festa. Ai, não te emendas,
coração infantil na era vetusta,
e recrias o mundo à tua custa.
Irás ter, hoje à noite, a alguma igreja,
ou queres só montar a lunareja
mula da recordação, e pelos pastos
do tempo recompor teus pobres fastos?
Este maio de agora é bem distinto,
e todo de política vem tinto.
As preces vão flechando o ar estrelado?
São rogos de aspirante a deputado.
Os homens se anunciam que nem pílulas,
prometendo hospitais, escolas, vílulas.
Oh, por amor, vote em Fulano, cuja
publicidade os nossos muros suja,
mas vote porque nunca seja eleito,
e multas o persigam, que é bem feito.
Eleição custa caro — este outro chora,
mas a Câmara tem gosto de amora,
e é tão bom fazer leis ou não fazê-las,
passeando na terra entre as “estrelas”...
(...)
Pesar de tudo, amo-te, Maio e mano:
reverdeces em mim um ser lontano...
Poema de Carlos Drummond de Andrade
Escrito em: 25/05/1958
(Tão actual e a propósito, que não lhe resisti)
🌼 🌼
Igualmente a propósito, por estarmos com eleições à porta,
me pareceu este discurso de Mário Viegas.
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Tanto a foto de cabeçalho quanto as seguintes foram feitas por mim em 2019. Há muito tempo que não vejo giestas. |
FELIZ MÊS DE MAIO.